quarta-feira, 27 de abril de 2011

Filosofia da Periferia

Mano Brown ao vivo no programa Roda Viva, da TV Cultura SP, mostrou, antes de mais nada, do que é feito um homem que se forma sozinho (do isolamento no que ele próprio chama genéricamente de periferia à ausência do pai que nunca conheceu). Seu raciocínio e suas opiniões ora se aproximam do resumo bruto de uma inspirada busca de auto-conhecimento ora chafurdam na mais completa confusão.

A primeira investida para tentar politizar a entrevista, exibida nesta segunda, 24/9/2007 - já que o que se espera ali no programa é uma discussão que renda posições sobre problemas “macro” (da política, da cultura, do comportamento humano...), veio da psicanalista Maria Rita Kehl.

Logo nos primeiros instantes do programa, Rita Kehl convidou o cantor dos Racionais MC’s a aproximar-se de outros representantes populares e dar sua opinião sobre o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) e sobre o Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST). A resposta foi reveladora. Mano Brown respondeu com um completo desconhecimento: “Tem um cara preso, certo? Lutando por uma causa que não é só dele, é de milhões. E pelo que eu tô vendo, vai pagar sozinho”. E devolveu a pergunta para Rita Kehl: “É isso?”. Rita Kehl, levada a reconhecer que ela própria levantava um assunto que desconhecia, responde: “Não sei”. Brown então retorna: “É José Rainha, é isso? Tenho que dizer que sou um cara que lê pouco, mesmo. Sou muito mal informado sobre muitas coisas”.

Mano Brown referia-se a um assunto de cinco anos atrás (a prisão de Rainha), sugerindo mais que desconhecimento do MST (que levou de roldão toda a arena de entrevistadores, já que ninguém posicionou-se: onde está José Rainha?), um desconhecimento particular, que beira o constrangedor. No caso específico de José Rainha, o “ex-líder” do MST, que responde a processo em liberdade, é considerado como pessoa que “não faz mais parte de nenhuma instância de coordenação nacional, estadual ou local do nosso movimento”, diz nota de junho deste ano do MST, em seu site.

Mano Brown revelava, assim, que se apegaria - como deixou parecer em um “as coisas que me interessam, eu me informo” - ao seu universo e linguagem forjados a duras penas. Mesmo respondendo, logo em seguida, sobre os escândalos do mensalão que levou o ex-chefe da Casa Civil e amigo pessoal de Lula, José Dirceu, à condenação política, o fez como um comentário próprio de uma roda de amigos. Respondeu dizendo que Lula não iria “dar a cabeça dos amigos para os inimigos dele”. E que o presidente “preferiu esperar a Justiça” e, só depois, se provada a culpa, seria “pau no gato”.

Isso fez com que o programa se arrastasse, deixando a impressão que, entre outros motivos, a ausência do músico nos meios de comunicação (atitude pela qual também foi perguntado) deve-se tanto a uma opção quanto a uma necessidade.

Os blocos seguintes do programa, no entanto, sugeriram o contrário. Mano Brown ensaiou um discurso cortante quando o assunto tocou diretamente na realidade apresentada em suas composições ("o que lhe interessa"), sempre recusando a posição de modelo ou líder. “Adoro o Marvin Gaye mas não vou levar a vida que o Marvin Gaye levou”.

A bancada cedia a seu ritmo. O jornalista da versão brasileira da revista Rolling Stone (Ricardo Cruz), que chegou com um descolado paletó "pretinho básico", voltou ao segundo bloco já de camiseta com a foto de Tim Maia, deixando aparecer os braços fechados de tatuagens e já, adiante, perguntaria a Mano Brown sobre "líderes brasileiros".

Sobre os conselhos que dá a jovens rappers, pergunta feita em tom de um ardiloso inquérito pelo jornalista policial Renato Lombardi, Mano Brown superou seu vocabulário truncado com opiniões, pelo visto, há muito elaboradas. Disse que sugere aos jovens que não se refiram ao público de cima para baixo, como um pai ou professor, mas numa relação horizontal, “ombro no ombro”. “Às vezes, a única coisa que o mano quer é um companheiro”. Outros termos usados como tesouros por sociólogos e jornalistas, como “cultura”, aparecia na boca do músico de maneira menos dotada de uma aura mágica e mais vivos.

O próprio Renato Lombardi entrou na rota de um irônico e inesperado comentário ao pegar as letras de Mano Brown para questioná-lo: "Hmmm... Antes de mais nada, isso é uma rima".

Marta Suplicy teve, talvez, o mais objetivo resumo sobre sua derrota para José Serra na eleição municipal de São Paulo, em 2004. Segundo Mano Brown, os próprios moradores de periferia, que receberam os CEUs (amplos centros de cultura e arte instalados nos bairros mais afastados da cidade) votaram contra ela, por ela ter se separado do marido, o senador Eduardo Suplicy, para se casar com o (argentino) coordenador de sua campanha, Luís Favre. Enfileirava, assim, mais um dado à impressão de que a vida particular de Marta Suplicy teria, como revelação dolorosa, pesado mais do que seu empenho como administradora.

No entanto, num dos momentos mais confusos do raciocínio formado - sem leituras - por Mano Brown, traficantes e fabricantes de bebidas alcoólicas foram associados como um mesmo grupo de “comerciantes”, propondo mais liberdade aos traficantes do que penalização aos produtores de "cerveja e 51". A idéia é validar e promover um discurso primeiro para depois descobrir seu alcance.

Nada, no entanto, comparou-se à constrangedora intervenção final do mediador Paulo Markun, que, de maneira para lá de inusual, praticamente isolou Mano Brown à periferia da qual ele vinha falar. Markun, de maneira nunca feita em programas anteriores, encerrou o programa com um texto, pelo visto, rabiscado às pressas, sobre a função “da tv pública” em abrir espaço para todos os tipos de opinião – ainda que a única coisa que conseguiu passar foi a preocupação em garantir a devida distância da desumana lógica construída nessas "quebradas" do Brasil.

Nenhum comentário:

Postar um comentário